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ALGUMAS TESES SOBRE A BRASILIDADE DA CAPOEIRA(autor: Dr. Luiz Carlos Krummenauer Rocha – Antropólogo, Filósofo, Historiador – partes do texto extraído da revista Praticando Capoeira)

 

A capoeira é o único esporte genuinamente brasileiro, formada através da fusão das culturas indígenas e negra no Brasil. Muito se polemiza sobre a origem dessa arte, pois até o presente nos é passado através da tradição auricular, de ouvido a ouvido, oriunda dos antigos mestres sem nenhum fundamento e método científico.Rui Barbosa, ministro de Marechal Floriano Peixoto, mandou incinerar toda documentação referente ao negro do Brasil, com uma postura hipócrita de descarga de consciência. Hoje, com a globalização do conhecimento através da internet podemos pesquisar e localizar documentos que nos trazem preciosas informações sobre a grande caminhada dos homens, como de suas culturas a exemplo; a capoeira. Com isso hoje posso endossar as palavras de Getúlio Vargas em 1937, no Palácio Governamental, para o imortal "Mestre Bimba". "A capoeira é o único esporte genuinamente brasileiro".Fundamentamos esta afirmação através da pesquisa científica:1- A Inglaterra, Estados Unidos, América Espanhola e outros países importaram escravos negros tanto como o Brasil e não existe nenhuma manifestação similar à capoeira em nenhum desses países.2- Os negros, ao chegarem ao Brasil, sofriam um processo de desaculturação, oriundo de centenas de tribos onde cada uma possui seu próprio dialeto e cultura, ao aportarem no mercado de escravos havia o cuidado de mesclar os grupos para perderem a identidade étnica começando com a troca do nome, a exemplo: Zumbi por Francisco. Desta forma impediam a organização de revoltas, pois os escravos tinham dificuldades em se comunicar, por seus idiomas se diferenciarem, dificultando manifestarem suas culturas. Esta convivência levou a uma nova fusão cultural.3- Etimologia: A denominação "capoeira", caso fosse africana a expressão seria originária de algum dialeto africano, a exemplo: berimbau, agogô, etc. A palavra capoeira é de origem Tupi. Os tupinólogos são unânimes em aceitarem o etmo "caa" como mato e "apuamera" pequeno, isto é, o pequeno mato ou pequeno arbusto. Durante os confrontos dos quilombolas com os sertanistas, os negros e índios palmarinos em desvantagens no porte de armas de fogo, escondiam-se atrás de arbustos e surgiam desferindo um golpe de pernas e mãos desarmando os opositores. Com o tempo os portugueses passaram a chamá-los de "negros da capoeira", mais tarde simplesmente de capoeiras.4- Dança da Zebra ou N'golo de origem do povo "Mucope" do Sul da Angola, que ocorria durante a "Efundula" (festa da puberdade), onde os adolescentes formam uma roda; com uma dupla ao centro desferindo coices e cabeçadas um no outro, até que um era derrubado no solo. Essa luta é oriunda das observações dos guerreiros, dos machos das zebras nas disputas das fêmeas, no período do cio, onde os machos lutam com mordidas, cabeçadas e coices. Com a "Revolta dos Malês", na Bahia, formada pelos negros Malês em 25 de fevereiro de 1835 que foi reprimida pelos portugueses, que castigaram mutilando os líderes e enviando um navio para África e outro dos rebeldes para América Central. Em Cuba e Martinica os males fundiram sua cultura com as dos nativos e negros dos canaviais dando origem ao "Mani", em Cuba e a "Ladja", em Martinica. O N'golo levado pelos angolanos para Palmares fundiu-se com a Maraná surgindo a Capoeira. Fomos missionários na Angola junto ao povo Mucope onde tivemos o privilégio de assistir uma destas manifestações culturais, a “dança do N’golo”.5- Cartas: do Jesuíta Antônio Gonçalves para os superiores em Lisboa em 1735 descreve uma luta que os índios praticavam antes de qualquer conflito, em forma de rodas dois a dois ao centro usando os braços e as pernas como armas (Convento de Santo Inácio de Loyola, anais das missões no Brasil. Tomo III pg. 128).6- O escritor holandês Gaspar Barleus descreve no livro “Rerum Per Octennium in Brasília – 1647, a luta dos índios tupis praticadas no litoral brasileiro” chamado de Maraná, luta de guerra, só existem dois exemplares, um nos EUA e outro no Brasil.7- O cronista alemão Johann Nieuhoff descreve em seu livro "Crônicas do Brasil Holandês" 1670, a luta da Maraná assim como descrevo abaixo:“As cartas do escrivão Francis Patris, que acompanhava o cortejo do príncipe Maurício de Nassau durante a invasão holandesa descrevem entre muitos obstáculos para a ocupação do território brasileiro, a resistência dos habitantes do Brasil. Negros comandados por Henrique Dias, portugueses por Vidal de Negreiros, índios Potiguaras comandados por Felipe Camarão, o “índio Poti”. Estes índios usavam durante o confronto, além de flechas borduna, lanças e tacapes, os pés e as mãos deferindo golpes mortais, destacando-se por sua valentia e ferocidade. Pertencia à cultura potiguara a dança de guerra Maraná, que avaliava o nível de valentia. Em círculo os guerreiros com perneiras de conchas compunham um compasso ao bater com os pés e as mãos, invocando seus antepassados, acompanhado de atabaques de troncos com pele de anta, chocalhos e marimbas, enquanto que dois guerreiros se confrontavam ao centro com golpes de pernas, cotoveladas e movimento que imitava os animais”. 8- Quilombo dos Palmares: Em toda a América Latina surgiu redutos quilombolas, o de maior destaque foi o de Palmares. Em 1650, um grupo de escravos se rebelou no engenho de Pianco, capitania de Pernambuco, liderada pelo príncipe negro angolano "zumba” que os conduziu para o Alto da Serra da Barriga, onde ficava a aldeia de nação potiguara "palmares” liderada pelo cacique Canindé e a Xamã AKutirene. A velha feiticeira previu que certo dia surgia do grande rio um grande rei que imortalizaria Palmares. Com sua grande liderança foi eleito rei de Palmares "ganga". Dentro de poucos anos a população negra passou a 70%, a dos principais quilombos, que ao todo foram oito (Amaro, Akutirene, Tabocas, Macaco, Aqualtene, Danbraga, Subupira, Adalaquituxe), 25% de índios e 5% de portugueses brancos foragidos (mestiços, portugueses, franceses e espanhóis). Toda essa miscigenação racial criou uma nova cultura étnica religiosa, dialeto, capoeira, culinária, relações culturais onde a terra era patrimônio de todos e as decisões do ganga eram deferidas pelo conselho dos anciões Zama, que representava os patriarcas de cada família. Palmares foi a maior república socialista da América, formava um arco-íris racial do povo brasileiro (negros, mamelucos, índios, cafuzos, mulatos, sararás e brancos, etc.) Nessa sociedade surgiu a capoeira com a fusão das culturas negra, indígena e branca. O negro contribuiu com o n’golo, o misticismo, a ginga, mandinga, com seus instrumentais, pandeiro quadrado, atabaque islâmico, agogô e mais tarde o berimbau (urocongo). Os índios com as marimbas, xererê, atabaque de tronco oco e pele de anta, com movimentos que imitavam os animais.O branco com a luta dos paliteiros e franceses com o savate. No dicionário tupi- guarani, maraná significava "dança de guerra". Após a destruição de Palmares por Domingos Jorge Velho, os negros sobreviventes voltaram para as senzalas, onde durante séculos ela disfarçou-se de batucada ou batuque (praticada só por homens), que era vista como festa de negros onde procuravam manter a tradição auricular da prática da capoeira acompanhada da batucada (toque de atabaques), mas ao chegar o senhor do engenho ou o feitor, as mulheres passavam a dançar a "umbigada" onde rebolavam numa cadência indescritível e sensual com uma forma lasciva, dando umbigada nos homens, desta forma disfarçavam a prática da luta. Os senhores de engenho motivavam, pois para eles incentivava o nascimento de novos escravos.Permanece até nossos dias a dança da umbigada, como em outras regiões deu origem ao samba duro, samba de roda, que é o casamento da umbigada com o candomblé. O nosso samba teve origem no batuque, no samba e no candomblé nos morros do Rio. Outrora, o samba era praticado quando chegava a polícia, a fim de acobertar a prática da capoeira que era proibida. Nas pinturas de Rugendas Debret, onde representavam a prática do batuque, é só observar a presença do atabaque e a ausência do berimbau. Os portos foram os principais centros de difusão do batuque ou capoeira, como era chamado na época. Nos centros maiores como Pernambuco, Salvador, Rio sofreu outras influências, pois, por haver portos nessas cidades a maioria dos escravos angolanos tinham as "canelas finas" que na época era sinônimo de trabalhador excepcional, possuidor de grande força. O que originou a capoeira praticada por angolanos que com o tempo passou a ser chamada capoeira Angola. Na libertação dos escravos as piores tarefas rejeitadas pelos brancos foram assumidas pelos escravos, a exemplo estivador, peão de estradas, vaqueiro, extrativista, etc. O berimbau integrou a capoeira a partir de 1860, que até então era usado pelos camelôs da época (sapateiros, alfaiates, quitandeiros), profissões executadas por malês, para chamar a atenção dos transeuntes. O batuque era praticado mais na região rural e a capoeira nos grandes centros.A capoeira regional é filha do batuque e da capoeira angola, algumas correntes afirmam que Mestre Bimba teria agregado à capoeira regional movimentos das artes marciais orientais, o que não concordo. A lógica nos faz deduzir que ninguém aprende uma arte marcial em alguns dias. Mestre Bimba se deslocou algumas vezes a São Paulo para participar de competições de vale tudo. Certos movimentos atribuídos às artes marciais são encontrados nas mais diversas lutas nos cinco continentes e percebemos que com a globalização a capoeira está sofrendo novas influências culturais, a capoeira é dinâmica, só não podemos perder seus fundamentos, filosofia é sua essência.DANÇA AFRICANA - O antropólogo austríaco Gerhardkubiz, membro da Associação mundial do folclore e grande especialista das culturas africanas, em trabalho publicado pela Xerox do Brasil diz que não entende porque os brasileiros chamam de Capoeira Angola quando suas andanças pela África durante quinze anos de pesquisa jamais encontrou entre as nações negras nada semelhante à capoeira.

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