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A PERSEGUIÇÃO E PROIBIÇÃO DA CAPOEIRA

(Autor: Letícia Cardoso de Carvalho – texto extraído da revista praticando capoeira)

 

As grandes mudanças que o ocorrem no cenário sócio-político,  apesar de aos olhos de alguns parecer, não acontecem do dia para a noite, são consequência de um processo.

A abolição da escravidão, a proclamação da república, a perseguição dos capoeiras, tudo ocorreu paulatinamente. Quando a família real chegou ao Brasil (1808) começou o processo de repressão da cultura negra (a destruição da cultura de um povo o faz fragilizado e mais manipulável).

Em 1809, foi criada a Guarda Real da Polícia na qual o Major Miguel Nune Vidigal foi nomeado comandante. Major Vidigal foi o verdadeiro terror dos capoeiristas, perseguia-os, espancava-os e torturava-os na tentativa de exterminá-los.

Apesar dos castigos, os capoeiras resistiam bravamente e em 1824, a punição tornou-se pior: além das trezentas chibatadas eram enviados por três meses para realizar trabalhos  forçados na Ilha das Cobras.

A partir da segunda metade do século XIX (1850), começaram a ocorrer sucessivas prisões de capoeiristas, os quais estavam formando maltas que atemorizavam a população e os governantes. Os principais focos da capoeira eram: Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco.

No entanto, no Rio de Janeiro é que a capoeira era motivo de maior preocupação (mesmo porque o Rio era a capital do país na época), era onde estava a maior concentração das maltas, sendo as mais temíveis os Guaiamuns e os Nagoas.

Os Nagoas eram ligados aos monarquistas do Partido Conservador, agiam na periferia, e os Guaiamuns eram ligados aos Republicanos do Partido Liberal, controlavam a região central da cidade.

A partir de 1870 algo estranho começou a acontecer; apesar de cada vez mais perseguida e marginalizada, a capoeira, ao contrário do que muitos pensam, ganhava adeptos das camadas sociais mais altas; intelectuais, policiais, estrangeiros e pessoas da elite, que treinavam "às escondidas".

A história da capoeira sempre foi completa e cheia de ambiguidades, principalmente no século XIX. Apesar da repressão que sofria, quando interessava, servia também de instrumento nas mãos dos políticos. Ora para os liberais, ora para os conservadores. Um exemplo é a Guarda Negra, criada em 1888 por José do Patrocínio, composta por negros capoeiristas que tinham o objetivo de defender a monarquia e lutar contra a República (após a libertação do escravo os capoeiristas ficaram ainda mais a favor da monarquia como agradecimento à Princesa Isabel por ter assinado a Lei Áurea).

Quando a República é proclamada (1889) por Marechal Deodoro da Fonseca uma das primeiras providências do governo provisório é o banimento da Família Imperial e a exterminação total dos capoeiristas. Dois dias após a Proclamação, D. Pedro II deixou o país com toda a sua família. Para cuidar da questão dos capoeiras o presidente nomeou o bacharel Sampaio Ferraz para chefe de polícia e o encarregou de eliminar todos os capoeiras. Para auxiliar nesse combate fez uma mudança no código criminal. No decreto 847 de 1890 é intitulado "Dos vadios e capoeiras", capítulo XII:

Artigo 402: Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação de capoeiragem; andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal. Pena: prisão celular de dois a seis meses. Parágrafo único: É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a algum bando ou malta. Aos chefes e cabeças, impor-se-á pena em dobro.

No final do século XIX e início do século XX o maior foco de preocupação com os capoeiras ainda era o Rio de Janeiro. Na Bahia muitas maltas de capoeira foram desmanteladas quando ocorreu a Guerra do Paraguai (1865-1870); centenas de escravos capoeiristas foram enviados para os batalhões de frente com a promessa de liberdade quando voltassem. Em Pernambuco, aos poucos, a tradição da capoeira foi dando lugar ao frevo. Mas no Rio de Janeiro a capoeira continuava firme e forte.

Se no período imperial os capoeiras não conseguiram ser exterminados, na República Sampaio Ferraz estava mesmo decidido a destruí-los, não importando se fossem estrangeiros, intelectuais ou de origem nobre. Certa vez prendeu o capoeirista José EIísio dos Reis, conhecido como Juca Reis, nobre, filho do Conde de Matosinhos, proprietário do jornal O País, que na época era dirigido por Quintino Bocaiúva, ministro das Relações Exteriores. A família, após fracassar na tentativa de libertar Juca, recorreu ao amigo Bocaiúva. O ministro disse a Deodoro que se não libertassem Juca pediria demissão do governo. Sob a ameaça da demissão de Sampaio Ferraz, caso Juca Reis fosse solto, Deodoro optou por dar a Juca o mesmo destino dado aos outros capoeiristas; o enviou para Fernando de Noronha e depois o deportou para Portugal. Bocaiúva pediu demissão, mas Deodoro, com sua astúcia, conseguiu após inúmeras reuniões, fazer com que o ministro permanecesse no governo.

Muitas prisões ocorreram no final do século do XIX e início do século XX e aos poucos os Republicanos conseguiram desmantelar as maltas e a capoeira passou a ser praticada "às escondidas".

Por volta de 1920, alguns intelectuais do Rio de Janeiro começaram a tentativa de representá-la como jogo, como esporte, pois seria uma maneira de valorizá-la e fazer com que fosse aceita socialmente. Em 1928, Aníbal Burlamaqui editou o livro "Ginástica Nacional Metodizada e Regrada" onde estabeleceu regras para o jogo da capoeira.

Apesar das primeiras tentativas de regulamentação da capoeira partirem do Rio de Janeiro foi da Bahia que surgiu o Mestre que a tirou do código penal e a levou a esporte nacional: Mestre Bimba (1899-1974).

No início dos ano 20 Bimba já lecionava em recinto fechado, em Engenho Velho de Brotas, Bahia. Frequentavam a sua academia intelectuais , universitários e pessoas da elite. O contato com a elite somado ao desejo de ressaltar a combatividade da luta fizeram com que Bimba realizasse profundas mudanças na capoeira. Incorporou golpes de batuque à capoeira, criando a Luta Regional Baiana, posteriormente chamada de Capoeira Regional que passou a ser ensinada com método, exercícios físicos e sequências de ensino.

No final da década de 20 o país estava enfrentando um período de grande crise devido a queda da Bolsa de Nova York. Em meio a esse caos o governo republicano é derrubado através da Revolução Nacionalista de 1930, comandada por Getúlio Vargas.

Assim que assumiu o poder, Getúlio sentiu necessidade de fazer algumas alterações, como a liberação de manifestações populares, para conseguir apoio da população, caso contrário não conseguiria governar o país.

Em 1937, Bimba foi convidado pelo então governador da Bahia, general Juracy Magalhães, para fazer uma apresentação de capoeira junto com seus alunos no Palácio do Governo. Nesse mesmo ano a capoeira foi oficializada pelo governo e Bimba recebeu autorização para funcionamento de sua academia. A partir dessa época a capoeira entrou nos quartéis, escolas, universidades, e começou a crescer cada vez mais e conquistar adeptos do mundo inteiro.

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